Poema Carta (a um Amigo que me Pediu Versos)
Como hei-de ser um Petrarca,
Cantar como um rouxinol,
Se o meu termómetro marca
Quarenta e dois graus ao sol!
Da lira bárbara e tosca
Nem saem trovas d’Alfama.
Enxota o Pégaso a mosca,
E eu durmo a sesta na cama.
A hipocondria maciça
Conduzo-a, não há remédio,
Na jumenta da preguiça
Pelas charnecas do tédio.
Eu trago a inspiração oca,
Ando abatido, ando mono;
Meus versos abrem a boca,
Como os porteiros com sono.
Não tenho a rima imprevista,
Os guizos d’oiro ou de opala,
Que à asa da estrofe o artista
Sublime prende ao largá-la.
P’ra lapidar à vontade
Um belo verso radiante,
Falta-me a tenacidade,
Que é como o pó do diamante.
A musa foi-se-me embora;
Para onde foi nem me lembro;
Só a torno a ver agora
Lá para os fins de Setembro.
Anda talvez nas florestas
Fazendo orgias pagãs,
Entre os aromas das giestas
E os braços dos Egipãs.
Deixá-la andar lá dois meses
Colhendo imagens e flores,
Para espanto dos burgueses
E ruína dos editores.
Enfim, o calor achata-nos.
Vamos aos bosques pacíficos
Onde os guarda-sóis – os plátanos –
Têm forros novos, magníficos!