Poema Sacrilégio
Como a alma pura, que teu corpo encerra,
Podes, tão bela e sensual, conter?
Pura demais para viver na terra,
Bela demais para no céu viver.
Amo-te assim! – exulta, meu desejo!
É teu grande ideal que te aparece,
Oferecendo loucamente o beijo,
E castamente murmurando a prece!
Amo-te assim, à fronte conservando
A parra e o acanto, sob o alvor do véu,
E para a terra os olhos abaixando,
E levantando os braços para o céu.
Ainda quando, abraçados, nos enleva
O amor em que me abraso e em que te abrasas,
Vejo o teu resplandor arder na treva
E ouço a palpitação das tuas asas.
Em vão sorrindo, plácidos, brilhantes,
Os céus se estendem pelo teu olhar,
E, dentro dele, os serafins errantes
Passam nos raios claros do luar:
Em vão! – descerras úmidos, e cheios
De promessas, os lábios sensuais,
E, à flor do peito, empinam-se-te os seios,
Ameaçadores como dois punhais.
Como é cheirosa a tua carne ardente!
Toco-a, e sinto-a ofegar, ansiosa e louca.
Beijo-a, aspiro-a… Mas sinto, de repente,
As mãos geladas e gelada a boca:
Parece que uma santa imaculada
Desce do altar pela primeira vez,
E pela vez primeira profanada
Tem por olhos humanos a nudez…
Embora! hei de adorar-te nesta vida,
Já que, fraco demais para perdê-la,
Não posso um dia, deusa foragida,
Ir amar-te no seio de uma estrela.
Beija-me! Ficarei purificado
Com o que de puro no teu beijo houver;
Ficarei anjo, tendo-te ao meu lado:
Tu, ao meu lado, ficarás mulher.
Que me fulmine o horror desta impiedade!
Serás minha! Sacrílego e profano,
Hei de manchar a tua castidade
E dar-te aos lábios um gemido humano!
E à sombria mudez do santuário
Preferirás o cálido fulgor
De um cantinho da terra, solitário,
Iluminado pelo meu amor…