Poesia Portuguesa

Poemas em Português



Poema Além-Deus

I / ABISMO

OLHO O TEJO, e de tal arte
Que me esquece olhar olhando,
E súbito isto me bate
De encontro ao devaneando –
O que é ser-rio, e correr?
O que é está-lo eu a ver?

Sinto de repente pouco,
Vácuo, o momento, o lugar.
Tudo de repente é oco –
Mesmo o meu estar a pensar.
Tudo – eu e o mundo em redor –
Fica mais que exterior.

Perde tudo o ser, ficar,
E do pensar se me some.
Fico sem poder ligar
Ser, idéia, alma de nome
A mim, à terra e aos céus…

E súbito encontro Deus.

II / PASSOU

Passou, fora de Quando,
De Porquê, e de Passando…,
Turbilhão de Ignorado,
Sem ter turbilhonado…,

Vasto por fora do Vasto
Sem ser, que a si se assombra…

O Universo é o seu rasto…
Deus é a sua sombra…

III/ A VOZ DE DEUS

Brilha uma voz na noute…
De dentro de Fora ouvi-a…
Ó Universo, eu sou-te…
Oh, o horror da alegria
Deste pavor, do archote
Se apagar, que me guia!

Cinzas de idéia e de nome
Em mim, e a voz: Ó mundo,
Sermente em ti eu sou-me…
Mero eco de mim, me inundo
De ondas de negro lume
Em que para Deus me afundo.

IV / A QUEDA

Da minha idéia do mundo
Caí…
Vácuo além de profundo,
Sem ter Eu nem Ali…

Vácuo sem si-próprio, caos
De ser pensado como ser…
Escada absoluta sem degraus…
Visão que se não pode ver…

Além-Deus! Além-Deus! Negra calma…
Clarão de Desconhecido…
Tudo tem outro sentido, ó alma,
Mesmo o ter-um-sentido…

V / BRAÇO SEM CORPO BRANDINDO UM GLÁDIO
(Entre a árvore e o vê-la)

Entre a árvore e o vê-la
Onde está o sonho?
Que arco da ponte mais vela
Deus?… E eu fico tristonho
Por não saber se a curva da ponte
É a curva do horizonte…

Entre o que vive e a vida
Pra que lado corre o rio?
Árvore de folhas vestida –
Entre isso e Árvore há fio?
Pombas voando – o pombal
Está-lhes sempre à direita, ou é real?

Deus é um grande Intervalo,
Mas entre quê e quê?…
Entre o que digo e o que calo
Existo? Quem é que me vê?
Erro-me… E o pombal elevado
Está em torno na pomba, ou de lado?


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Poema Além-Deus - Fernando Pessoa
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