Poema Há muito que a paz parou de crescer entre as nossas carnes
Há muito que a paz parou de crescer entre as nossas carnes,
entre tudo o que se excede enquanto não é manhã
e tudo o que se rodeia de deuses e paz insípida.
Há muito que este beijo projecta em mim
uma massa de sombras,
um sangue memoriado,
um misterioso planeta no outro lado da sonolência,
no outro lado deste transe, neste mar que suprime
as entranhas da ilha que fomos.
E há muito que nada passa nesta linguagem, nenhum
fascínio por baixo da pele adivinhando lugares que nos geram.
Gostaria muito, quero dizer-te, de golpear os astros,
roubar a luz às falhas, reencontrar
a desolação definitiva das coisas
e criar o provisório com verbos sem pálpebras,
a consolação em laboratórios de água.
Mas agora, de uma torre avistam-se os braços sonâmbulos,
a tua face que bebo a partir da minha raiz de existência.
E desta minha raiz de existência, a saliva
dá cor à imagem que se dissolve para lá do temporal,
para lá do que sangra devagar e arromba
os espelhos do nosso fingimento.