Poema Oh Mil Vezes Feliz
Oh mil vezes feliz o que encerrado
Entre baixas paredes
O tormentoso Inverno alegre passa;
Que de um pequeno campo,
Que ele mesmo cultiva, se alimenta
Apascentando as vacas,
Que da mão paternal somente herdou
C’os dourados novilhos.
Enquanto sobre a terra se reclina
Dormindo descansado
Ao som das frescas águas de um regato,
Horrorosos cuidados
O não vem perturbar no brando sono;
A sórdida cobiça
Lhe não faz conceber vastos projectos;
Não pensa, não intenta
Atravessar o Cabo tormentoso,
Sofrer chuvas e ventos,
Ouvir roncar as denegridas ondas,
E ver na feia noite
Entre nuvens a Lua ir escondendo
O macilento rosto,
Por ir comerciar cos pardos índios
E Chinas engenhosos.
A sede insaciável de riquezas
Não faz que exponha a vida
Nos desertos sertões às verdes cobras,
E aos remendados tigres.
Ah ilustre Soeiro, doce Amigo,
O ouro de que serve,
Se os anos vão correndo tão velozes!
Se a morte não consente,
Que a enrugada e pálida velhice
Com passos vagarosos
Nos venha coroar de níveas cãs?
O senhor opulento
Ao seu pobre vizinho encurte o campo
Que alegre cultivava;
Levantando soberbos edifícios,
Arranque as oliveiras,
O choupo que sustenta as roxas uvas,
Para ornar seus jardins
De estéril murta, de cheirosas plantas;
O campo, que ondeava
Com as úteis e pálidas espigas,
Cubra de fresca sombra
Do espesso cedro, do frondoso louro;
Alegre vá passando
No seio das delícias e regalos.
Mas ah! que não adverte
Que as três filhas da noite, as ímpias Parcas,
Girando os leves fusos,
Lhe acabam de fiar os curtos dias!
Que a morte inexorável
Se chega ao rico leito em que descansa,
Mostrando-lhe entre sombras
A macilenta mão com que lhe pega.
Já entre mil angústias,
Entre os frios suspiros que derrama,
Acaba a triste vida,
Que intentava gozar por longos anos.
Só tu, filha do Céu,
Impávida Virtude, não estranhas
O aspecto da morte.