Poema Xácara do Infinito
Fazia papa-luaça
com lama azul dos paúis;
e embaciava a vidraça;
ou de olhos baços, azuis,
parados, largos, serenos,
como o silêncio dos mudos,
ou fitos, picos, pequenos,
venenos de ângulos agudos.
Ou gargalhava estridente
como um riscar de repente
de uma faúlha de luz
em escuros de urros e uuus
que arrefecia os cabelos!
E a dissonância em novelos
rolava fundo e medonho
a meio do chão:.. Catrapuz!…
como um vómito de luz
a estoirar dentro dum sonho!
Ou escancarava a vidraça
a rir pedradas de lata;
mas logo o feixe-desfeixe
porque a lata se desata
e cai em pata de pata
na lájea das cousas mortas
das mortas noites sem portas!
E logo a Noite corria,
e a vista via… – não via:
porque entre o ver e o não ver
há uma distância a correr
que pode ser… – ou não ser
uma distância a valer!
Aquele espaço intervalo
dum cabelo ou duma unha
à sensação de ter unha
é uma distância a cavalo
como a distância da unha
ao movimento da unha!
É como a longa distância
que vai do ferro da lança
à sua prova de força,
que vai do salto da corça
à unha da própria corça!
Que vai da gente ao cabelo
– que será, ou não, distância… –
porque a gente não é pêlo,
nem tem a ânsia de sê-Io,
mas pode a gente ter ânsia
de ter ânsia de ser pêlo!
Que coisa ausente ou presente,
que ponte desune ou une
o meu sentir ao meu dente,
o que sente ao que não sente,
e como em mim se reúne?!
A sensação da Matéria
é não ser tudo o que falta:
que quem o é já não salta
por sobre a própria Matéria;
que quem o é… não é quem,
porque quem é ser alguém,
indivíduo é ser divíduo,
– dividido o aqui do além!
“A parte que em nós não sente
arvorou no consciente
a sensação de ser gente
e da coisa inconsciente!
Deste tudo e deste nada
nasceu a forte razão
que separa o sim do não
e os valores de tudo e nada!”