Poema Iniciação ao Diálogo
I
De início bastará que olhes mais vezes
na mesma direcção hoje evitada
(estandartes nos olhos são mais leves
do que no coração duros tambores),
ainda que o teu olhar próprio não rompa
as lajes de ódio com que te muraste.
II
O vento e chuva e tempo, sobre a pedra
passando sempre, hão-de gastá-la: um dia,
antes que a obture o musgo ou algum pássaro
aí faça o ninho fofo, encontrarás,
entre o lado que afirmas teu e o outro,
uma réstia de azul – o azul de todos.
III
Talvez rumor de passos, para além
do muro atravessado aos teus desígnios…
Não porás terra onde se pôs o céu:
ver o que diz o ouvido agora queres,
e onde a rocha fendeu-se cabe um olho
humano e mais a boca do fuzil.
IV
Provando frágil o que acreditavas
inexpugnável, eis que em ti se fixam
atentos outro olho e outro fuzil!
V
Contemplador e contemplado, hesitas
aprendendo na espera o inesperado:
lares como os que tens, jardins iguais
aos teus, o mesmo verde nas lavouras,
no gado solto a mesma desmemória,
na gleba o mesmo esforço pelo outono…
Até na cara do inimigo existe
algo de teu, nunca ao espelho visto.
VI
Adormenta-se o dedo no gatilho,
força é movimentá-lo.
(Maior força
é suportar as formigas do sangue,
a cãimbra incipiente; maior força
é desfazer os nós de engano e medo;
maior força é manter silente a máquina
da morte e só do peito abrir a fala.)
VII
Posta nas pautas máximas da voz,
a palavra resvala entre os granitos
– lava e incêndio primeiro, fumo após,
nuvem, neblina ténue. Claridade.
VIII
Que cresce, a poucos dedos de teus dedos?
É o mapa da amizade que se espalma
na palma de outra mão:
toca essa mão
e o tacto há-de explicar-te geografias
tão permeáveis e altas que seus mares
(só de o pensares) já em tuas veias correm
salgando as ondas que em teus olhos morrem.