Poesia Portuguesa

Poemas em Português



Poema Porque o Melhor, Enfim

Porque o melhor, enfim,
É não ouvir nem ver…
Passarem sobre mim
E nada me doer!
_ Sorrindo interiormente,
Co’as pálpebras cerradas,
Às águas da torrente
Já tão longe passadas. _
Rixas, tumultos, lutas,
Não me fazerem dano…
Alheio às vãs labutas,
Às estações do ano.
Passar o estio, o outono,
A poda, a cava, e a redra,
E eu dormindo um sono
Debaixo duma pedra.
Melhor até se o acaso
O leito me reserva
No prado extenso e raso
Apenas sob a erva
Que Abril copioso ensope…
E, esvelto, a intervalos

Fustigue-me o galope
De bandos de cavalos.
Ou no serrano mato,
A brigas tão propício,
Onde o viver ingrato
Dispõe ao sacrifício
Das vidas, mortes duras
Ruam pelas quebradas,
Com choques de armaduras
E tinidos de espadas…
Ou sob o piso, até,
Infame e vil da rua,
Onde a torva ralé
Irrompe, tumultua,
Se estorce, vocifera,
Selvagem nos conflitos,
Com ímpetos de fera
Nos olhos, saltos, gritos…
Roubos, assassinatos!
Horas jamais tranqüilas,
Em brutos pugilatos
Fraturam-se as maxilas…
E eu sob a terra firme,
Compacta, recalcada,
Muito quietinho. A rir-me
De não me doer nada.


1 Star2 Stars3 Stars4 Stars5 Stars (2 votes, average: 4,50 out of 5)

Poema Porque o Melhor, Enfim - Camilo Pessanha