Poema Disputa em Família
I
Sai das nuvens, levanta a fronte e escuta
O que dizem teus filhos rebelados,
Velho Jeová de longa barba hirsuta,
Solitário em teus Céus acastelados:
” – Cessou o império enfim da força bruta!
Não sofreremos mais, emancipados,
O tirano, de mão tenaz e astuta,
Que mil anos nos trouxe arrebanhados!
Enquanto tu dormias impassível,
Topámos no caminho a liberdade
Que nos sorriu com gesto indefinível…
Já provámos os frutos da verdade…
Ó Deus grande, ó Deus forte, ó Deus terrível.
Não passas d’uma vã banalidade! – ”
II
Mas o velho tirano solitário,
De coração austero e endurecido,
Que um dia, de enjoado ou distraido,
Deixou matar seu filho no Calvário,
Sorriu com rir estranho, ouvindo o vário
Tumultuoso coro e alarido
Do povo insipiente, que, atrevido,
Erguia a voz em grita ao seu sacrário:
” – Vanitas vanitatum! (disse). É certo
Que o homem vão medita mil mudanças,
Sem achar mais do que erro e desacerto.
Muito antes de nascerem vossos pais
D’um barro vil, ridículas crianças,
Sabia em tudo isso… e muito mais! – ”