Poema Genérico
E tu, meu pai? Adivinho esses vidrilhos
das lágrimas quebrando
um a um na boca triste mas
por dentro, para que digamos
mais tarde, sem invenção escusada:
o pai não chorou.
Eu soube das tuas fúrias
mordendo-se em silêncio,
ou de como te pões
às vezes tão de cinza.
O barco, o barco. Ficaremos
ainda estes minutos quantos.
Do que quiseres. E como quiseres.
Fala. Mas nada de telegramas
para depois da barra
– posso não os abrir,
juro que posso.
Se eu fosse um amigo, se estivesses
em frente dum copo.
Custava menos. Assim
deslizas a unha
pelo tecido da farda, inútil
dedo terno com os olhos longe.
O pai, que não chorou, tremia
de modo imperceptível.
Lembro-me da bebedeira
em Alpedrinha, na estalagem,
com o Luís Melo
subitamente velho.
“Tramados, pá, tramados.”
O carro falha, são as velas
os platinados sujos
“a puta que os pariu” (Luís).
Um último aceno só vinho
para estas adolescentes
ao balcão do bar e depois e depois?
Mas o pai não chora.
Segura-me pelo braço, não chora.
Eis o filho
dos anos meus incorruptíveis.
Nasceria de uma pedra.
Longe do mundo é que ele nasceu.
E não mo tireis nunca
ó cegos capitães!
Meia hora antes o pai
filmou o Tejo, as tropas.
Era um barco, um barco onde ele ia.
Era um barco cheio.