Poema Apocalipse
Porque a lua é branca e a noite
é simples anúncio da aurora;
e porque o mar é o mar apenas
e a fonte não canta nem chora;
e porque o sal se decompõe
e são de água e carvão as rosas,
e a luz é simples vibração
que excita células nervosas;
e porque o som fere os ouvidos
e o vento canta na harpa eólia;
e porque a terra gera os áspides
entre a papoula e magnólia;
e porque o trem já vai partir
e o corvo nos diz Never more;
e porque devemos sorrir
antes que o crepúsculo descore;
e porque ontem já não existe
e o que há de vir não mais virá,
e porque estamos num balé
sobre o estopim da Bomba H:
não marcharemos contra o muro
das lamentações, prantear
a frustração de tudo o que
sonhamos ousar, sem ousar.
Títeres mudados em gnomos,
enfrentemos o Apocalipse
como pilotos da tormenta
entre o terremoto e o eclipse.
Vamos dançar sobre o convés
enquanto o barco não aderna;
vamos saudar o sol que morre
e a noite que vem fria e eterna.
Vamos zombar deste universo
em nossos olhos reflectido;
quando os fecharmos, será como
se nunca houvesse existido.
Vamos crepitar entre as chamas
nosso último arrebatamento;
porque amanhã seremos só
um pouco de cinza no vento.